Poema VI: O violonista e o tempo


Depois de tanto caminhar
Zé chegou a uma vila pobre
Casas velhas e remendadas
Crianças correndo descalças nas ruas de terra

O sorriso da inocência
Nunca da atenção aos aspectos da miséria

Ele avistou um velho sob a sombra de uma macieira
O velho empunhava um violão
E seu olhar pairava sereno entre o ar, e o momento

Zé aproximou-se e pode notar que era um homem cego
Ele ficou quieto enquanto o homem dedilhava
Os mais belos arpejos e acordes que podiam ser ouvidos
Eis que o cego deixou a pausa perdurar

A música é a verdade garoto
Ela nos diz a nós mesmos quem somos
É como a respiração do nosso ser

Eu não te vejo, mas sei que está ai
Calmo, jovem, cheio de vontade de viver
Veio de longe, mas é como se fosse sempre daqui
A sua respiração ainda que ofegante, transmite paz
Que bela canção seus sentimentos criariam

Meu nome não é importante
Lembre-se eu sou a musica que acabou de ouvir
Ela é sobre minha vida, mesmo sem uma palavra dita
Ela começa agitada e confusa, e brilha como o sol estival
Ai no meio, ela vai se repetindo
Se perdendo em uma mesmice confortável
Antes do fim ela bota tudo a perder
E soa grave como a dor de um gigante que não sou
Mas no fim ela está morna e preparada para acabar
Apenas se perguntando se foi ouvida por quem deveria ser
Se, viveu pelo que deveria viver
Se, cumpriu o seu papel
Se, tinha um papel a cumprir

Não me interessa seu nome
Como é sua musica garoto?


Eu não sei
Mas acho que a minha musica
É do tipo que caminha
Procurando pela loucura

Tentando ver a beleza
Enquanto ela se esconde entre o medo das pessoas

Acho que minha musica procura perder a vergonha
Encontrar a felicidade e matá-la

Para que as pessoas vivam em paz
Sem uma obsessão por algo que não compete a vida

Acho que a minha musica procura se perder
E encontrar-se totalmente diferente do que era
E dizer olha só você ai, por onde andou?

Eu te esperei a cada segundo
Enquanto deixava de ser você
A minha musica procura pela vida
Pela própria vida
Pela própria musica

Quanto tempo pretende perder por aqui?
Quero lhe ajudar a encontrar-se

Para mim o tempo é outro ser
Ele não me pertence
Ficarei aqui até ter aprendido
A mostrar a face da vida de volta pra ela

O tempo não devia ter tanto a ver com a vida das pessoas
Elas acham que o tempo é o remédio para suas dores
Mas eu o vejo como uma enorme ferida
Engolindo todas as cicatrizes

Zé passou meses por lá
Aprendendo transformar a vida em musica
Embora a vida já seja uma

Zé partiu quando o tempo
Engoliu todas as cicatrizes do velho cego
Zé não chorou
Ele lembrou que no fim da musica
A pausa perdurava


Não ache que é prepotência minha
Mas eu sou quem deveria ter ouvido sua musica
Sua vida cumpriu o que tinha pra cumprir
Ainda que vida alguma tenha compromisso

Agora eu farei minha própria musica
Mas a sua jamais será perdida

O tempo é meio cruel
Por isso não me alio a ele

Esteja bem onde estiver
Ou esteja bem mesmo sem estar

E partiu novamente
Levando consigo o velho violão
E mais uma nova forma de ver a vida
E uma nova forma de transmiti-la



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